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Miscelânea

Ciências Sociais: fichamentos / clippings / recortes de não-ficção. Nonfiction Litblog.

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Sobre primeiros amores

Cristiane Costa. Amor sem Beijo - Global Editora.

Ficamos lado a lado [vendo o pôr-do-sol], em silêncio, durante muito tempo. O sol foi embora e a noite veio trazendo uma lua cheia. O céu escuro se encheu de estrelas. Ali, no alto da pedra ainda quente [na beira da praia], éramos só nós e o universo. Senti uma enorme vontade de me soltar, de me lançar nos braços do vento morno e me deixar levar. Marcos deitou a cabeça no meu colo. Estávamos muito próximos. Lentamente, ele se sentou e me olhou bem nos olhos. Depois, falou bem suavemente:

-- Me dá um beijo?

Eu sorri. Sua boca estava a centímetros da minha. Eu não posso, pensei. Eu sou forte, não tem essa de que o sangue é fraco. Eu sei me controlar. Eu não cedo. Não pode ser. Não, eu não posso, dizia a parte mais forte de mim. Marcos também resistia e esperava. Tão próximo que se quisesse teria me roubado aquele beijo e me deixado sem reação a não ser me entregar aos meus sentimentos. Mas não, ele já tinha ido até onde podia. Agora, queria que eu continuasse.

-- Diz que você não quer esse beijo, Cristiane.

O tempo parou enquanto tudo passou pela minha cabeça. Eu hesitei durante um segundo que parecia interminável. Então, fui mais forte do que eu e disse:

-- Não.

No mesmo instante, a mágica se rompeu. Alguém acendeu as luzes - e acho que fui eu. As estrelas se desfizeram, nuvens pesadas se formaram em seu lugar. A música suave das ondas desapareceu. Só sobrou o mundo real e desencantado de que voltamos a fazer parte.

[...]

Demorou muito tempo, muito mais do que eu pensava, para juntar de novo essas duas partes de mim: meu corpo foi para um lado e meu coração para outro. Como numa estrada, um pequeno erro no início, uma decisão equivocada, pode levar o viajante a caminhos cada vez mais distantes de onde planejava chegar. Às vezes, descobre-se um atalho para voltar ao caminho certo. Outras, é preciso refazer todo o trajeto até o ponto de partida. Mas, e quando não há volta?

Aí, o desamor se forma como um lago de águas paradas. O amor não vivido corrói os laços. Os corações feridos vão se distanciando lentamente. Quando se toma consciência, já perdemos o companheiro de vista. Um oceano nos separa.

Pouco a pouco Marcos foi parando de falar comigo. Até o dia em que passou por mim como por uma estranha. Só nesse momento, me dei conta do quanto gostava dele. Depois que ele saiu definitivamente da minha vida é que vi o tamanho do vazio que deixou.

Tudo foi acontecendo gradualmente. Primeiro, jogamos um balde de água fria em nossa amizade. Ele já não me levava para casa, não andávamos mais de bicicleta juntos. E eu não tinha mais ninguém com quem me abrir. Depois, sepultamos nossos sentimentos sob uma pedra de gelo, evitando todos os lugares onde pudéssemos nos encontrar. Marcos não ia mais à praia, nem nos dias mais bonitos de sol. Eu mudei de colégio. Ele parou de andar com nossa turma. Acho que só não mudou de cidade porque era demais. De vez em quando, eu perguntava por ele, com jeito para que não desconfiassem de nada.

[...]

Mas, um dia, decidi quebrar o muro que nos separava. Levantei-me e fui atrás dele. Segurei seu braço, quase implorando por uma palavra, um segundo de atenção. Isso o surpreendeu. Sem saber como reagir, continuou andando, cada vez mais rápido. E eu, passo a passo ficando para trás, insistia numa conversa inútil. Numa resposta que estava na cara e nem precisava de pergunta.

-- O que houve? Por que você não fala mais comigo? - disparei.

-- Eu? Mas eu acabei de falar com você.

-- Sei, um oi e basta.

-- O que você queria?

-- Conversar.

-- Sobre o quê?

-- Tudo, como antigamente.

-- Não dá para ser como antes.

-- Por quê?

-- Tem gente me esperando.

-- Pois que fiquem esperando. Eu preciso falar com você!

-- Fala então.

-- Andando assim não dá. Por que a gente não pára um pouco?

-- Já disse que tem gente me esperando.

-- Mas que droga de gente é essa que não pode esperar? Eu sou sua melhor amiga.

-- Isso já faz muito tempo.

-- O que você quer dizer com isso?

-- Que as coisas mudam.

-- Por que você está chateado comigo? O que foi que eu te fiz?

-- Nada. E você sabe muito bem.

-- Então o que é?

-- Nada, já disse.

-- Por que você se afastou?

-- A vida é assim mesmo. Mais dia, menos dia, acaba indo cada um para o seu lado.

E foi isso o que aconteceu. Sem forças, fui ficando para trás - minhas perguntas pairando no ar. De costas, o silêncio como resposta.

Quando a gente é jovem, os machucados se fecham rápido. As cicatrizes são imperceptíveis. Ninguém dá muito valor a nada, porque as coisas mudam muito rapidamente. Logo se está pronto para outra. E outra. E mais outra. A gente procura a dor mais leve para se distrair da mais profunda.

Mas certas cicatrizes não fecham nunca.

Elas voltam com outros nomes, em outros lugares, mas voltam. Até que a gente aprenda a não ter medo dos próprios sentimentos. Até o dia em que a gente tenha a coragem de olhar o amor nos olhos e dizer: sim.